quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Suco de vidro

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Corta a garganta

Algo que nem sei se foi

Maresia líquida

Sóbrios amores

Na vida que tentei louca

Cigarros, farra

No canto íntimo da cigarra

A voz um pouco rouca

Tanta poesia

À margem

No copo

Sacanagem

Ruas tortas

E mijadas

Perfume de vadiagem

No liquidificador

Suco de poeira

Na janela

Vidro e paisagem



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quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Uma noite com o Coringa


Ainda estou eu aqui a enxugar meus dentes com pedras. Roendo vidros destilados e tentando me imaginar fazendo sexo com o Coringa. Chutes na boca e beijos melados de panqueique depois da última dose de estriquinina, isso que é vida...

Melhor que passar meus dias tentando me imaginar quem não sou. Só encontro minha verdadeira identidade secreta no fundo de uma garrafa aberta, e imaginar o Coringa de cuecas... não é tão difícil quanto parece, e não adianta virem com de fatos e de direitos, que minha dança é macabra pros não-iniciados, minha letra é torta pros não-safados, meu hálito ferve a infernos.

Colgadas. Volcadas. Voltas e revoltas de um coração pregado e crucificado sobre a rosa e a cruz do arfante peito teu... parce que tout va jusqu'au bout de le bouquet rose.


Esse foi pro E-zine do Bar do Escritor, selecionado pela minha amiga virtual Ükma (ou Fulaninha Baunilha) >>> http://www.bardoescritor.net/

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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Sorte de hoje

O segredo da criatividade é saber como esconder suas fontes

Procure viver pela paz, não por conflitos

Para conquistarmos coisas boas, precisamos sonhar e agir

Para não nos endividarmos, precisamos deixar alguns sonhos só no plano dos sonhos

Sorte de hoje: nenhuma

E viver ainda é hoje.


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terça-feira, 9 de novembro de 2010

Não, nada

Não

Nada

Daquilo que era fome de mundo

Ficou a não-obra

A não-arte

A não-coreografia

A não-vida

Não sobrou nem as batatas

Não

Nada

Ou o poço onde não acho o fundo

Para pegar impulso

Onde não acho o pulso

Que antes latejava

Migalhas de sonho

Da padaria vagaba aqui de baixo

Não

Nada

Nem pra vender

Nem pra comprar

O não-ar pra respirar

A não-verdade para saber

Nada que eu possa explicar

Nada que eu possa querer


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segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Poliédrica

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Será que consigo fazer

Esse mais que eu?

Perscrutar as fendas míticas

De uma personalidade bifurcada

Trifurcada, poliédrica

Ir pra longe o tanto que necessito

Não sentir esse cheiro de tinta

Me esquivar do que não pedi, e veio

Com a inteligência que nem sei se tenho

E com a calma de quem acha tudo

Muito certo, muito perfeito...


Saberei realizar tal feito?

Não é o mesmo que ficar invisível

A inexistência não é opção

Construir, desconstruir, fazer

Refazer, desfazer, ser

O lugar-comum me assalta

Aprender?

Evoluir?


Será que ainda há motivo

Para eu me surpreender?


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terça-feira, 26 de outubro de 2010

Formigas


Quando eu voltar, serei esta

seresta

a fazer fazeres

e festas

voltarei amiga

E me juntarei aos outros

como fazem as formigas

Quando eu voltar serei esta

de novo



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terça-feira, 19 de outubro de 2010

Rinite

Um cisne canta ao longe e morre baleado

Ao lado uma cadeira

Me interrogam

E eu não sei de nada

Só quero que tudo se acabe

No meu quarto,

Onde se vê o carpete verde mais feio do mundo

E mofado

Rosas cancerosas

Cogumelos

Rinite

E a Bíblia não explica o que há

Entre o céu e o banheiro...

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Será uma tristeza

Será uma tristeza, mas será uma tristeza por cima - como nunca tive antes - ouvindo Nessum Dorma e tomando Jack Daniels com suco de caju.

Antes burlesca que doente,

Não quererá chorar a toda hora

Falará impropérios, palavrões

Mandará o mundo ir tomar no cu

Mas será glamorosa e soberba


Uma tristeza pintada por Magritte

Surreal e nova

Obviamente fará poesias – como agora

Obviamente fracassará

E como todos os fracassados

Lerá Augusto dos Anjos

E lindamente reconhecerá em seus vermes

Seus bichinhos de estimação


Será a justa tristeza dos artistas que não ganham dinheiro

A tristeza sorridente do palhaço

Não a do garçom mau-humorado

E ela estará cercada pelo luxo abundante

Das riquezas humanas a que somos negados

Todos os dias


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Me deram flores no dia em que morri

Me deram flores no dia em que morri

Até então eu só ganhava lilases nos olhos


Poeira de estrada

Vertigem de prenha

Nem oração, nem festa


Mas no dia em que morri

Me deram flores do campo

Brancas e amarelas

Um terço azul na mão

E uma Ave Maria na capela


E em vez de lilases nos olhos,

Lágrimas

Em vez de poeira,

Água benta

Em vez de vertigem

A sonolência de quem não se agüenta

De vontade de dormir


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Mais um naufrágio

Me dá água preu me afogar na medida

Lá onde não dá pé

Passa essa cachaça safra péssima pra cá,

que quero morrer de não me lembrar

Vamos viver refém do menino-acaso?

Vítimas marítimas de um Sebastião revoltado?

Estigmas de um pé calejado...

Não volto hoje, estou afogado

Não volto nunca, meu mar foi calado

Lá, onde não dá pé

Onde os cinco sentidos falham

Quando a ressaca arremata

Mais um naufrágio


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La ciudad

Traz a cidade pra mim

Com suas milongas e asfaltos

E seus saltos altos

Do alto dos vinhos

E salões de alabastro

Em La emborrachez de las noches

Locas e frias

Salta!

E traz os perfumes de Santelmo

Pra impregnar meus dias

Vai e volta logo

Com a cidade dos abraços nos braços


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Fases

Não é preciso ir a novembro

Dobre agosto e vire em junho

Pois se bem lembro, meus cílios apontam

O norte de meu rosto, adjacência e punho

Dobrei meus sinos no meio do susto

Mil anos e o norte acordou num urro

Falo, desfaço, desfaleço em maio

Vejo o desgozo que é sentir-se nulo

Não é preciso ir a fevereiro

Quando janto, entardeço

O que é mim, noturno


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Era

Preciso escrever enlouquecidamente enquanto o pássaro de veludo pousa na minha cama. Fóssil. Sou eu em decomposição orgânica enquanto o tempo passa como um projétil. Rasga. Uma nesga de sol se apaga. Foi o inverno de Deus ou o sono da Via Láctea? Tudo correndo, um sábio desleixo do tempo, uma era, duas eras se passam em minhas palavras. Mil eras e já era o tempo! Venci! Não tenho mais que esperar por ele. Não preciso vencer mais nada...


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Palco de areia

É curioso como o mar arrebenta, o rebento no mar da placenta, serena, apascenta, a sirena em idade avançada, canta, mas sentada no pau das horas, ainda lamenta. E como vaga a onda do fundo do mar pra cá fora, a onda representa: protagonista. Faz firula demais prum caso, olha que é só mar ainda, mas levanta casco e quilha, faz espuma, marulho, estrondo, até que se arrebenta num palco de areia, bailarinas de um corpo-de-baile, foragidas do oceano fundo, com seu cântico de trovoada. Fecha o pano, ela se retira... mas logo vem outra. É curioso como o mar arrebenta.


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Porque vendi minh’alma na Lapa...

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Tenho mesmo é competência para a desistência e para a total deselegância. Não tenho malandragem a um nível saudável. Estou ultra-passada por um trem bala-perdida que levou meu tempo real embora. Falo ao vivo de dentro do meu aquário de beta solitário e exótico. Meu tempo não é quando, muito menos hoje, e sempre, nunca será. Vendi minha alma na Lapa, num jogo de bilhar. Quem levou foi o primeiro que chegou, mangas de camisa e sorriso na testa. Acabou enfim a festa de doces bárbaros incrustados na areia da barra da saia de Marina Morena, pois quem venceu foi Bezerra. Me afogo no mar de pérolas aos porcos. Me afogo sempre, me jogo hoje. Vou ali jogar na cobra e já volto.



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Cidade de fazer loucos


Na vida, fui perdendo amigos

Perdendo o senso do impossível

Perdi a fala no meio do colóquio

Perdi a guerra pros sapos de escritório

Perdi a vergonha, o saco e o juízo

Perdi – vejam só – o senso do ridículo

Achei então minha lona de circo

Que armei bem no meio do meu umbigo

E agora o que sobra...

Sobrou só sombra torta

Que soçobra ao primeiro espirro


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A fada do meu quintal

Porque eu preciso de alento

Cavalgo esse vento

E me faço hiato

Nenhum pensamento

No porão, nenhum rato

Só os velhos esqueletos insones

Nenhuma paixão me consome

O vento me pega e me some

Agora, sou a fada do meu quintal


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Lança-chamas

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Como pode ser

O momento em que nossas cores

Nossos fúnebres néons

Se espalham

Tão na transversal

Que trans versam

E colidem

Se partem

Partem

Se vão...


Um vinho velho foi arrolhado em meu ventre

As ruas não são chão

Ando com dificuldade pela cidade

portas e janelas se fecham

Mentes se suicidam

Vou fazer arte em Marte!

Artrite

Artriste

Como se respira carvão?

Um lança-chamas tem mais carinho por nós

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